Médico ameaçado por paciente? Saiba como o CFM permite a rescisão da relação médico-paciente por justa causa. Conheça medidas preventivas, jurídicas e de suporte para sua segurança e bem-estar

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Introdução

A relação médico-paciente é o pilar da prática clínica, assentada na confiança mútua, respeito e no compromisso com a saúde do paciente. Uma continuação adequada desse vínculo é essencial para garantir cuidados de qualidade e segurança do paciente, e sua interrupção abrupta pode causar prejuízo terapêutico e até danos à saúde.

Por isso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece diretrizes éticas e legais claras sobre quando e como essa relação pode ser rescindida, visando proteger tanto o paciente quanto o profissional. O Código de Ética Médica – normativo máximo editado pelo CFM – enfatiza que o médico deve agir “com o máximo de zelo” pelo bem do paciente, destacando a importância de manter a continuidade do atendimento sempre que possível.

Panorama Geral da Rescisão da Relação Médico-Paciente

Nos termos do Código de Ética Médica (Resolução CFM 2.217/2018), o médico tem o dever de orientar suas ações pelo melhor interesse do paciente e de respeitar as escolhas autônomas deste.

Em princípio, o cuidado médico deve ser prestado até o encerramento natural do tratamento ou da indicação terapêutica. A interrupção do vínculo só é eticamente admitida em situações excepcionais (“justa causa”), tais como riscos físicos ou morais ao médico (ex.: agressões ou ameaças) ou recusa persistente do paciente em seguir orientações essenciais ao tratamento. Mesmo sem justa causa, o médico deve buscar transferência segura do paciente a outro colega ou serviço, especialmente em casos de urgência ou emergência, assegurando que o paciente não seja desamparado.

Em complemento, a legislação brasileira (Constituição Federal, art. 196) define a saúde como direito de todos, impondo a todos os provedores de saúde (e refletindo no Código de Ética) a obrigação de não abandonar o paciente antes da continuidade adequada do tratamento. Assim, a rescisão do atendimento deve sempre respeitar princípios como beneficência, não-maleficência e justiça, evitando qualquer forma de abandono terapêutico.

Aspectos Jurídicos Específicos da Rescisão Conforme o CFM

O Código de Ética Médica traz dispositivos relevantes sobre a suspensão do atendimento. Embora não cite expressamente “rescisão”, vários dispositivos tangenciam o tema. Por exemplo, é vedado ao médico abandonar paciente em situação de urgência ou emergência sem providenciar continuidade do atendimento. Corroborando esse ponto, o próprio CEM garante ao médico o direito de suspender suas atividades profissionais em instituições que ofereçam condições inadequadas, “ressalvadas as situações de urgência e emergência”.
Isso significa que, mesmo diante de problemas institucionais, o médico deve continuar atendendo casos críticos até a transferência do paciente. Em outras palavras, qualquer interrupção unilateral do atendimento precisa observar requisitos legais: deve haver justa causa (como ameaça grave, agressão física ou recusa absoluta do paciente ao tratamento básico), comunicação prévia formal (por escrito e com antecedência razoável), e garantia de encaminhamento do paciente a outro profissional ou serviço habilitado. A falta dessas providências configura infração ética (abandono de paciente) e, em casos graves, pode até configurar crime (por exemplo, omissão de socorro prevista no Código Penal). Em suma, embora o médico tenha autonomia para recusar atos contrários à sua consciência ou à ética (CEM, Art. 9o) ele não pode romper uma relação de cuidado de forma abrupta em detrimento do paciente.

Medidas Preventivas para Médicos

  • Seguro e Assessoria Jurídica: Em decorrência da expansão da litigiosidade na saúde, seguros de responsabilidade civil médica são altamente recomendados. Tais apólices (“RC Médico”) cobrem custos legais e indenizações em casos de demandas contra o médico. Associações médicas e sindicatos frequentemente destacam que a adesão a um plano de defesa jurídica especializado pode acelerar a resolução de conflitos e proteger o patrimônio do profissional. Uma rotina recomendada é contratar advogados ou escritórios com experiência em saúde, que possam orientar o médico sobre direitos e deveres e intervir preventivamente em situações de conflito.

  • Treinamentos e Protocolos de Comunicação: A comunicação eficaz pode prevenir muitos desentendimentos. Instituições de saúde devem implementar treinamentos regulares em habilidades de comunicação, manejo de conflitos e técnicas de desescalada. Esses treinamentos ensinam, por exemplo, como dar más notícias com empatia, negociar objetivos de tratamento e lidar com ideias irracionais do paciente ou familiar. Para formalizar a interrupção da relação, recomenda-se um protocolo claro: em caso de necessidade de desligamento do paciente, o médico deve registrar a situação no prontuário, convocar uma conversa com testemunhas (ou acompanhante) e elaborar um termo com data e motivo da rescisão, orientando o paciente sobre onde buscar atendimento na sequência. Ter esses procedimentos documentados (inclusive sob forma de fluxograma interno) é essencial para demonstrar que o médico agiu de forma profissional e previsível.

  • Documentação de Ameaças e Interações: Sempre documente todas as interações tensas. Por exemplo, mantenha um diário profissional ou ferramenta eletrônica (sistema de prontuário ou app seguro) onde se anotem data, hora, pessoas envolvidas e conteúdo de ameaças ou comportamentos agressivos. Salve e-mails, mensagens ou gravações telefônicas (quando permitido) de conversas nocivas. Em caso de ameaça física, é aconselhável comunicar imediatamente à polícia e solicitar boletim de ocorrência, guardando uma cópia. Todas essas evidências devem ser arquivadas de forma segura (por exemplo, em nuvem criptografada ou em arquivos dedicados restritos) para eventual consulta legal. Uma prática recomendada é informar sistematicamente o setor de segurança da instituição e a Comissão de Ética Médica Regional sobre ocorrências graves, criando um histórico formal.

Exemplos Práticos e Casos Hipotéticos

  1. Caso de Ameaça Física: Um clínico geral recebe ameaças verbais e gestos agressivos de um paciente identificado como portador de transtorno psiquiátrico, após orientá-lo a procurar tratamento hospitalar. Neste cenário, o médico documenta vários encontros conflituosos, gere Boletim de Ocorrência na delegacia, e busca orientação jurídica. Como medida preventiva, ele havia contratado seguro de responsabilidade. Legalmente, com provas das ameaças, o médico pode rescindir o atendimento por justa causa. Precauções tomadas: garantir que outro colega ou serviço esteja ciente do caso, registrar no prontuário e notificar formalmente o paciente (ou seu representante) por escrito, afastando-se apenas após providenciar continuidade mínima (como indicação de outro serviço de saúde mental). Consequências: se procedido corretamente, evita infração ética. Se o médico simplesmente abandona o paciente sem encaminhar, pode sofrer denúncia por abandono de incapaz.

  2. Quebra de Confiança/Não Adesão: Uma paciente crônica de diabetes recusa insistentemente tratamento e orientações de dieta, além de faltar às consultas repetidamente. O médico tenta reforçar a importância do tratamento, mas a paciente segue descredibilizando as recomendações médicas. Após várias tentativas, o médico decide romper vínculo por falta de evolução terapêutica. Ações tomadas: ele envia carta registrada à paciente explicando a decisão (conforme norma do CFM), fazendo proposta de encaminhamento a outro profissional ou serviço público para continuidade do cuidado. Consequências: procedimento documentado resguarda o médico de acusações futuras. Ao agir preventivamente (orientação por escrito, sugestão de outro profissional), ele cumpre as exigências éticas; sem isso, mesmo em caso de não adesão do paciente, poderia ser responsabilizado por abandono.

  3. Conflito Institucional: Um médico plantonista decide não atender em um setor do hospital onde não há segurança no horário noturno. Por protocolo, antes da recusa, ele comunica a chefia e reclama por escrito sobre as condições. Oferece-se a atender emergências até a transferência para outro médico ou serviço de urgência. Isso alinha com o direito de recusa do profissional em ambiente inseguro, “ressalvadas as situações de urgência”.

    Em outro caso, se um médico quisesse simplesmente deixar pacientes crônicos de sua lista sem aviso ou sem encaminhamento, isso violaria o código de ética, pois não se trata de urgência e implicaria abandono.

Impacto Psicológico e Emocional em Médicos Ameaçados

Médicos submetidos a ameaças e agressões frequentemente desenvolvem estresse crônico, ansiedade, sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e burnout. A literatura internacional reconhece que violência no trabalho em saúde eleva em dezenas de pontos percentuais o risco de depressão e rotatividade profissional. No Brasil, embora faltem estatísticas oficiais, relatos sindicais indicam crescente desgaste emocional em plantonistas. Especialistas em psiquiatria ocupacional recomendam que médicos em situações de risco busquem apoio psicológico ou psiquiátrico precoce, como forma de prevenção à síndrome de burnout. Além do convívio familiar ou religioso, há redes de apoio profissional (CRMs, sindicatos, ambulatórios de saúde do trabalhador). Por exemplo, o Médicos Sem Fronteiras Brasil sugere o uso de grupos de suporte e mentoring entre colegas para partilhar experiências traumáticas. Em suma, reconhecer o impacto emocional e procurar ajuda – seja terapia psicológica regular, grupos de apoio ou acompanhamento psiquiátrico – é parte das medidas preventivas que o médico deve adotar em situações adversas.

Considerações Nacionais

Todas as referências citadas e as recomendações apresentadas obedecem à legislação e às normas brasileiras, particularmente às disposições do Conselho Federal de Medicina. Reitera-se que, apesar de princípios universais de bioética serem aplicáveis, as ações propostas devem respeitar a cultura jurídica do Brasil: por exemplo, o Direito do Paciente (Lei 13.787/18) dá ao paciente leque de direitos e obrigações, e a Resolução CFM nº 2.217/2018 é a norma vigente para conduta médica, devendo orientar todas as decisões aqui descritas.

Conclusão

Em síntese, a rescisão da relação médico-paciente deve ocorrer apenas em situações de “justa causa” iminente e com pleno respeito às normas do CFM. A legislação ética reitera que o médico tem dever de continuidade do atendimento, especialmente em emergências, de modo que qualquer interrupção exige comunicação prévia, fundamentação clara e garantia de encaminhamento do paciente. A prevenção de conflitos passa pelo preparo do médico – via seguros adequados, apoio jurídico, treinamentos de comunicação e documentação rigorosa de incidentes – e pelo cuidado com o próprio bem-estar psicológico. Com esses cuidados, o médico se resguarda contra repercussões legais e preserva a qualidade da assistência, honrando as responsabilidades éticas definidas pelo CFM
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